quarta-feira, 13 de abril de 2011








A maioria das crianças de 3 anos da sala 02, turno tarde da UMEI Ouro Minas, quando desenha produz riscos diversos sem preocupar-se em representar algo. Os desenhos ainda são garatujas e poucas crianças do grupo apresentaram em suas produções elementos figurativos. As experiências de desenho, dessa forma, são muitas vezes mais uma soma de gestos que ferem/modificam/preenchem papéis/chãos/paredes do que tentativas conscientes de produzir imagens abstratas ou figurativas. Segundo BORDONI (texto no site citado junto das referências),

O desenvolvimento progressivo do desenho implica mudanças significativas que, no início, dizem respeito à passagem dos rabiscos iniciais da garatuja para construções cada vez mais ordenadas, fazendo surgir os primeiros símbolos Essa passagem é possível graças às interações da criança com o ato de desenhar e com desenhos de outras pessoas. Na garatuja, a criança tem como hipótese que o desenho é simplesmente uma ação sobre uma superfície, e ela sente prazer ao constatar os efeitos visuais que essa ação produziu. No decorrer do tempo, as garatujas, que refletiam sobretudo o prolongamento de movimentos rítmicos de ir e vir, transformam-se em formas definidas que apresentam maior ordenação, e podem estar se referindo a objetos naturais, objetos imaginários ou mesmo a outros desenhos. Na evolução da garatuja para o desenho de formas mais estruturadas, a criança desenvolve a intenção de elaborar imagens no fazer artístico. Começando com símbolos muito simples, ela passa a articulá-los no espaço bidimensional do papel, na areia, na parede ou em qualquer outra superfície. Passa também a constatar a regularidade nos desenhos presentes no meio ambiente e nos trabalhos aos quais ela tem acesso, incorporando esse conhecimento em suas próprias produções. No início, a criança trabalha sobre a hipótese de que o desenho serve para imprimir tudo o que ela sabe sobre o mundo. No decorrer da simbolização, a criança incorpora progressivamente regularidades ou códigos de representação das imagens do entorno, passando a considerar a hipótese de que o desenho serve para imprimir o que se vê.

Concepções contemporâneas de arte apresentam diluições de fronteiras entre dança, desenho, pintura e outras linguagens. Portanto, é possível atualmente ver e produzir desenho em outros suportes e de formas mais ousadas e, de certa maneira, estranhas[1]. Muito alimentada por novas maneiras de ver e fazer e acompanhando com curiosidade vários movimentos das crianças ao desenhar, além de estudar sobre a infância e o desenho dos pequenos sempre que possível, pensei em promover e também perceber encontros de desenho na turma que respeitam e/ou valorizem a arte contemporânea e a criança pequena (principalmente, porque é a turma que está comigo este ano, a meninada de 3 anos).

Encontrei na sucatoteca da escola molhos de flor que parecem sempre vivas secas. Levei-as para a sala para que as crianças tivessem maior contato com elas. Logo quase todo o recinto estava povoado por aquelas linhas finas com pontas coloridas por minúsculas e simpáticas flores. Várias ações de tirar, pôr, jogar, acumular e brincar com aquele material revelaram a presença de fazeres de desenho no grupo. Tive, após algumas observações, a ideia de produzirmos trabalhos com maior permanência[2]:modelagens com os raminhos. Propus uma reunião em roda e cada criança participou, com um raminho de cada vez, da construção de um emaranhado ou o que denominei de desenho coletivo. Para formar um todo fixo uni, com pequenos pedaços de durex colorido, as pequenas flores que as crianças juntavam.

Nos encontros, a delicadeza dos movimentos, a grande concentração e o profundo interesse do grupo estiveram fortemente presentes. Ao escolherem os locais para a colocação dos ramos, as crianças prendiam-nos nos dedinhos com explícito cuidado e certa reverência, percebendo a fragilidade dos cabos de flor e zelando para que não quebrassem como se fosse um material bastante precioso. Quando chegava a minha vez de unir com a fita, também tinha que o fazer com grande delicadeza e certa destreza para não alterar o modo como a criança havia disposto o cabinho. Ao fazer isso, até o tom de minha voz baixava: enquanto colocava a fita com exigida delicadeza corporal, sussurrava e era acompanhada em meu quase silêncio por quase todas as crianças que, atentas, esperavam o término do processo.


[1] Por não serem tradicionais e porque unem linguagens num mesmo tempo ou produto, muitas obras de arte de nosso tempo não são compreendidas e/ou aceitas. Inúmeras pessoas ainda confiam em e não abandonam concepções conservadoras a respeito da arte. Acham, por exemplo, que pintura é apenas produzida em telas com tinta e que desenho é um fazer que restringe-se quase que somente a mãos, papéis e lápis. (NOTA MINHA)

[2] Uma permanência que não fosse a da fotografia, forma de registro que, à sua maneira, perpetua o momento de encontro das crianças e as flores. (NOTA MINHA)


referência: BORDONI, Theresa. Descoberta de um Universo: A Evolução do Desenho Infantil. Disponível em: http://www.profala.com/arteducesp62.htm. Consulta: 24 de abril de 2011


4 comentários:

  1. que bom que você voltou aqui! e, com apresentações das propostas, ações e atividades tão belas e aprofundadas.

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  2. brigada pelo carinho! BJS

    cris

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  3. Cristina ,
    o texto tb ficou muito bom! Apresentou seu olhar cuidadoso e sensível tanto para a pesquisa , como para as crianças.
    Obrigada
    Vera

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  4. Verinha,
    Que bom vc ter passado por aqui! Bjs!

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